De quando Dadaízei com Montenegro
Sobre a Fernandona, um trabalho dadaísta, um abraço com um caos (semi-controlado), uma anticumbuca
Dadaísmo é um treco loco.
Nesse bimestre do curso técnico em teatro que estou fazendo tivemos um panorama das vanguardas artísticas ali do comecin do séc. XX (dadaísmo, surrealismo, futurismo e expressionismo). O grupo do qual eu fiz parte ficou com dadaísmo.
O que eu sabia sobre dadaísmo? Bem, um panorama ali do Duchamp, um ready madezinho maroto, um pouco de caos. Mas nada que focasse no teatro dadaísta de fato. Ah, eles eram antiarte? Sim. Antitudo? Pois é. Antipolíticos? Sim. Não é paradoxal? Claro. O rolê é a briga. A treta. A destruição das convenções e meter o loco pra reformar o que deu errado. A reação do público ofendido.
Aliás, poucas vezes em outros contextos a gente estuda qualquer forma de teatro, né? Literatura? Pouquíssimo. Ensino Médio? Ah, os gregos faziam uns treco lá, confia. Faculdade de Design? Mais arte visual que qualquer outra coisa, talvez ali migrando pra questão de exposições (que tem uma interlocução). A Heliodora fala em um vídeo que o teatro é sempre a forma mais tardia de arte a surgir nos contextos sociais, e acho que a gente segue isso também quando vai ensinar e aprender.
Tivemos então que aprofundar no tal teatro dadaísta (a professora forneceu uma apostila simplesmente lindeza do Alexandre Mate) e foi um abridor de mares. De mentes. De sei lá.
Ao ler sobre as perfomances dadás, além das obras artísticas, mesmo da monalisa pixada, as poesias simultâneas, os manifestos, o que ficou foi: a gente não superou o dadaísmo até hoje. Quase tudo que a gente acha que uau, muito diferente, os dadaístas estavam fazendo em 1916. Flash mob? Tinha. Causar xingando as pessoas na rua? Aham. Fake news? Uma vez para divulgar uma apresentação (uma soirée com teatro, poesia, pega-pega, e instalações), publicaram em um jornal que Charles Chaplin viria a Paris. Chegando lá, o público foi contemplado pelo mais puro caos, envolvendo um alçapão com pessoas gritando, dois artistas brincando de esconde-esconde, um gritando uma frase várias vezes, enfim. Pensou em algo causiane? Provavelmente um dadaísta fez igual ou semelhante há mais de cem anos.
Fiquei apaixonada inclusive pelas colagens do Baader, umas fotomontagens divinas. Brincadeiras maravilhosas com tipografia. Tudo um primor.
Mas chega do perfil dadaísta. Vamos ao caos.
Precisávamos apresentar um seminário teórico (que foi uma tentação simplesmente faltar e ser muito dadaísta, ou entregar algo em branco, fora de ordem, com palavras sorteadas, mas… eu estava estudando o dadaísmo, porém, contudo, todavia, não bancaria levar zero pela piada…) e um prático.
Pro prático, foi um exercício incrível de só ir. O que cabe no dadaísmo? Provavelmente qualquer coisa. As esquetes e peças da época eram incríveis, elas foram uma descoberta de sarcasmo e criticidade que eu não esperava. Eu imagino como devia ser insuportável pra todo mundo em volta, mas fantástico pra eles. Embora eles obviamente brigassem, por não existir consenso algum nesse caos dadá.
Pegamos alguns trechos das apresentações, juntamos com uma música parodiada com uma letra que mencionava sardinhas lésbicas (que foi um termo que encontramos na própria esquete HAHA), roupas aleatórias, pouca ou nenhuma maquiagem, uma luz de palco ligada junto com a de serviço, instrumentos diversos, cartazes. Enfim, uma linda ópera de barulho, crítica, e textos bons. Porque a arte é uma coisa séria. Muito séria.
Mencionei cartazes certo?
Aí que mora a questão mais dadaísta que tentamos explorar. Cartazes. Falsos.
A professora mencionou “ow, por que vocês não fazem um cartaz falso pro seminário?”.
A gente topou. E então uma ideia levou à outra e decidimos que tal qual Charles Chaplin viria a Paris, Fernanda Montenegro viria a Taubaté. Assim, quem viesse, veria apresentações diversas das vanguardas e, óbvio que ninguém acreditaria que a Fernandona botaria os pés numa quinta-feira sem divulgação alguma, o que poderia dar errado?
Bem, muita coisa poderia dar errado.
Embora a ideia fosse ser dadaísta eu sempre fui cronicamente preocupada. E nunca tive muita vontade de ser presa. Nem de causar um alvoroço que nem o fatídico dia do falso Patati e Patatá.
E estamos na era da internetsssss, do ADVENTO DA TECNOLOGIA, DAS FEIQUE NIUS. Enfim. Muita coisa seria complicada.
Mas testar um panorama completo do dadaísmo era bem legal, então lá fui eu trabalhar uma espécia de cartaz com contenção de danos (kkkk).
Bolei que era uma atividade exclusiva pra alunos (nada de ex-alunos), que somente com inscrição, os logos foram alterados de leve, catei a foto mais fácil de achar ao jogar no google “fernanda montenegro foto”, bolei um formulário que dava para um link que mostrava que as inscrições tinham acabado, e ainda coloquei o cartaz um dia depois da “suposta abertura de inscrições”. Apreciem o cartaz antes de continuarmos:
Fiz isso justamente pois fiquei com vontade de caprichar. Então coloquei endereço correto, logos supostamente confiáveis, um nome bonito (infelizmente não tive tempo pra testar o contraste na impressão e ficou meio capenga impresso? Sim, mas tanto cartaz ruim por aí), falei que supostamente outras datas em SP ocorreriam, deixei bonitinho o formulário, a mensagem de aviso de fila, etc. Caprichei.
Não caprichei demais pelo medo anteriormente descrito.
Confirmei com os profs se estava ok, se precisava de algum ajuste, tudo certo.
Colei silenciosamente o cartaz na escola numa sexta-feira (a apresentação foi na quinta seguinte). Nenhum rebuliço. Ficamos “ahhh, tudo bem, né? Ninguém acreditou mesmo, tudo certo, vamo que vamo, bora treinar o que faremos de bagunça”.
Só que aí.
A segunda-feira chegou. E com ela as consequências de uma faculdade de design bem feita.
E o alívio grande pela contenção de danos que eu havia feito.
Fui recepcionada por relatos de comoção de pessoas pistolas, pois ninguém havia avisado do evento, de que as inscrições estavam esgotadas, que era um absurdo, que iam entrar em contato e conferir a lista de inscritos (fiquei muito feliz de ter alterado a logo, por pensar que alguém seria louco o suficiente pra entrar em contato). Todo mundo tentando rastrear se ao menos alguma alma havia conseguido se inscrever (achei peculiar que ninguém reparou que as inscrições tinham se encerrado na quinta anterior, mas é de conhecimento amplo que ninguém repara em infos supérfluas, como datas, endereço e informações críticas na internet).
Surpreendentemente muita gente havia acreditado. Inclusive pessoas de nossa própria sala (“Será que nosso seminário seria cancelado por conta do evento?”).
Como meu maior pesadelo era a existência do zap zap, a rádio-pião mais rápida desse país de feique nius, fiquei muito feliz de colocar que era exclusivo pra alunos (“como assim exclusivo para alunos? Um absurdo completo”). Alguns funcionários ainda curtiram a brincadeira e falaram que um deles tinha conseguido sim se inscrever, mas só aquela pessoa (a tentação do caos dadaísta habita todas as pessoas, foi minha conclusão).
No dia seguinte a notícia tinha até corrido para uma cidade vizinha.
Aí pensei “é isso, talvez seja presa e precise entregar meu seminário sobre dadaísmo pra polícia”, me imaginei com um power point, papeis na mão, falando sobre o panorama da arte e das vanguardas do século passado, e sendo enquadrada em uma nova categoria de crime: “dadaísmo excepcional”.
A mente criativa nunca funciona pro bem, né?
Ao mesmo tempo, ficamos felicíssimas pelo caos. Tudo funcionou, até melhor do que a gente esperava, tinha ali aquela distração e raiva envolvida das pessoas, uma lição sobre dadaísmo e sobre acreditar em cartazes aleatórios sendo que em nenhuma rede social havia uma informação sobre nada daquilo. Ficamos realmente felizes.
Foi um caos controlado por bom senso. O que não foi dadaísta de nossa parte, MAS!
Foi uma inspiração dadaísta incrível.
Na terça antes da apresentação já tinha começado a rolar uma fofoca (intencional) falando que era falso (pois as fichas não estavam caindo com tanta velocidade quanto seria necessário, o que era preocupante em outros sentidos), e mesmo assim na quinta duas pessoas tinham vindo ficar na fila para a palestra que nunca ocorreria.
Pra homenagear esse supremo caos dadaísta, ainda cometi uma blasfêmia e fiz a montagem da monalisa com a diva Fernanda (mil perdões, Fernanda Montenegro, eu te adoro, você é minha inspiração, foi pelo dadaísmo!!!!):
Segue ibagens dadaístas nossas:
Um grande abraço pras minhas parceiras de dadaísmo: Laís Lotufo, Rafaela Chandra e Priscilla Azarias, e pra nossa diva professora Natasha Curuci.
Ps.: Tem um documentário que a Priscilla encontrou de 1969 que tenta mimetizar como era uma soirée deles:
Ps.²: A arte é séria, muito séria. Seríssima.
Pratiquem dadaísmo com cautela.
Ps.³: Na semana eu acabei fazendo um relato meio blue sky zístico. A quem interessar possa.
Já tinha lido o relato em forma de thread, mas ler de novo aqui ficou ainda melhor!!! incrível poder dadaistíco
MEUDEUS kkkkk o poder do caos em ação